Subiu as escadas e quase desmaiou com o estridente barulho no andar de
baixo.
Soraya era a única companhia do poeta naquela mansão enorme, agora quase
abandonada, que já pululou de gente durante décadas.
Alves Fedelhas herdou do pai a sensibilidade, a delicadeza, o gosto pela
escrita e… a casa. Sempre jurou que só a morte o levaria para fora daquele
palácio. Era homem de convicções e de valores.
A jovem foi recrutada à porta de casa quando, por leveza do destino, ali foi
entregar uns cadernos A4 que o poeta gostava de ter sempre em reserva, não
fosse a sua escrita ficar sem material. Fogosa na aparência, doce no jeito de
falar - sotaque gerundivo e carioca - e disponível para “toda a obra” que o Dr.
Fedelhas dela requeresse - os seus 85 anos justificavam muitos cuidados.
Tudo corria perigosamente bem: a harmonia entre eles era “perfeita”– a jovem
tinha jeito -; a poesia brotava mais sensual e atrevida com a inspiração que a
“quirida” lhe despertava – Soraya era uma deusa -; outros desejos eram
cumpridos pela experiência da rapariga e a ajuda farmacológica que fazia
milagres nele – disso sabia bem a jovem “terapeuta”.
Alves Fedelhas não queria saber de onde lhe vinha aquele fulgor; só desejava
que aqueles momentos se repetissem. Soraya, de vida subida em atrevidos
degraus, deixou que ele se viciasse. Depois, a volúpia começou a fraquejar, a
impertinência do “velho” recrudesceu - a depressão fulminava-o.
- Soraya, antes de subires para o quarto, deixa-me à mão o estojo de
canetas. Vê ali, na gaveta da estante. Vou escrever até mais tarde.
- Com certeza doutor.
Nada curiosa com as canetas, deixou pousado perto dele o estojo veludo azul
que lhe pareceu demasiado pesado para serem canetas. Subiu.
Um tiro seco alterou-lhe o futuro.
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