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Disse-lhe o nome e manteve a atenção no JN. A notícia era um choque e um alarme para ele. Estava ali tudo: a sua vida, o seu passado recente, a última das “paixões” que, amiúde, o arrebatavam.

- Trago a canela? – Não respondeu.

Todos os dias, à mesma hora, passava no “Progresso” para o café de saco e a nata acabadinha de sair: o jornal era, também, imprescindível.

Lesya estava no seu primeiro mês de trabalho e mal o conhecia. Não era única: naquela casa só lhe conheciam a cara e a sua sisudez impenetrável. Nunca lhe vira amigos de mesa, embora o café mantivesse duas tertúlias que animavam a sala com a escalpelização de tudo o que desse falatório. Naquele dia, era aquela detenção que ruborescia os comentários.

“DETIDO Director Nacional do SEF”.

Deteve-se também neste título, ainda sem forças para abrir o jornal e ler a notícia toda.

Não conseguiu calar a preocupação com Jamelia, a “escultura” nigeria que era a sua actual “boneca”. Não lhe “cabia um feijão no cu”. O café e a nata mantinham-se intactos na mesa: deixou ficar o doce e saiu.

 Dionísio era um sobrevivente da ex-Pide e, entre habilidades e “capacidades”, acabou o seu tempo de trabalho como agente de investigação e fiscalização daquela polícia. Estava reformado havia ainda pouco tempo, mas mantinha alguma actividade submersa em conluio com o Director Nacional. No seu tempo activo, foram tantas as vezes em que o superior máximo lhe segredava as condicionantes de alguns “trabalhos”. “Duas putas”, diziam os colegas.  

Dionísio era um “cão de fila”.

Lesya era uma jovem alta, loura, olhos azul mar, olhar malandro, muito sorridente e de bom porte nos seus dotes visíveis. Constava-se, entre coscuvilhices e boatos, que a rapariga devia ser “de leste”.

Nunca mais o viram no “Progresso”.

 

Fernando Morgado

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