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MOSAICOS DA MINHA VIDA - 6

Não sou envergonhadamente católico. Não sou modernamente anticristo. Digo-me católico, por convicção, sem esperar encontrar Deus na igreja mais próxima, mas antes guardá-lo e cuidá-lo bem, dentro de mim.
Há um género de modernismo que faz de nós anormais quando dizemos que somos católicos e acreditamos em Deus. Para alguns, ser católico é ser palerma. Para alguns, ser ateu é ser esclarecido, moderno, intelectualmente superior.

É desta gente, os modernos, que aparecem os aflitos, a implorar “valha-me Deus” e “Deus me acuda”.
Vem isto a propósito de Miragaia, das suas gentes e da sua igreja. Vem isto a propósito de eu ter sido chamado de “papa-missas” só porque me dava bem com o padre embora fosse refractário à liturgia.

Por volta dos meus quinze-dezasseis anos, aparece em Miragaia um padre novo que veio, naquela época, revolucionar a freguesia. Tinha vinte e oito anos, trazia romantismo e ilusão suficientes para julgar que seria um bom pastor para o rebanho miragaiense. E foi.
O Afonso Moreira da Rocha, vulgo Padre Afonso, percebeu depressa a dificuldade de catequizar um povo prenhe de muitas carências, e pouco dado a promessas e a boas maneiras. Assim, foi suficientemente inteligente para dinamizar a Fé acenando à população com novas ferramentas de pensamento e acção.

Menos ave-marias e mais pão, menos pai-nossos e mais saúde, menos credos e melhor habitação, menos terços e mais trabalho, menos salve-rainhas e mais direitos: tudo isto se transformou na enxada de trabalho de uma jovem, Padre Afonso, que passou a acreditar numa crença maior, numa Fé mais abrangente, numa pastoral com novas prioridades.
Miragaia foi a trincheira que escolheu para a sua luta contra o Poder da época; valeu-lhe algumas prisões mas não lhe quebrou a convicção e força. A Pide-Dgs não lhe dava muito espaço de acção, não lhe dava muito espaço na cela onde onde, várias vezes, o encarcerou. Por contágio de acção, também eu tive ficha na polícia politica.

Foi esta dinâmica, esta consciência, esta alavanca de luta que me aproximaram da igreja de Miragaia e da fidelidade a um padre em quem passei a acreditar. Este homem fantástico foi também extraordinariamente importante para o meu crescimento e formação, como homem capaz e consciente, abrindo-me horizontes para os novos tempos da política na sociedade portuguesa.
Das muitas coisas que guardo na memória em relação a esse tempo pastoral do Padre Afonso, não posso contornar uma célebre acção de recolha de fundos para o lançamento da obra do Centro Social da Paróquia de Miragaia: a famosa campanha do “OVO E GARRAFA”.

O Centro Social de Miragaia, como vulgarmente é conhecido, foi avante. Foram tempos heroicos. Foram tempos maravilhosos.
Com 17 anos, fiz parte da primeira direcção deste Centro Social. O Mario Lereno , na altura director de Recursos Humanos na Companhia União Fabril Portuense (hoje, SUPERBOCK), foi o presidente dessa direção. Um homem monárquico marcelista, como ele se dizia e que eu nunca entendi o que era. O Padre Afonso foi vice-presidente (nunca quis o sobressaliente primeiro lugar, mas nunca o libertaram da liderança), um homem que trouxe a política para a igreja, com o pensamento de que a consciência era uma arma incómoda ao Poder. Eu assumi o cargo de Secretário de direcção: já me estava destinada a escrita. O Óscar Brandão foi Vogal: durante muitos anos, foi um homem muito empenhado nas causas de Miragaia. Havia, ainda, dois elementos de Massarelos; o Juca e o Sr. Ferreira – gente boa.

Como se percebe do que aqui vos deixo, do muito que vos conto fico tanto mais por dizer. Passo a passo lá irei. Gosto deste diálogo silencioso entre mim e quem me lê.
 
Fernando Morgado

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