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MOSAICOS DA MINHA VIDA - 7

Não quero escrever a História de Miragaia, nem contrariar ou acrescentar qualquer coisa que seja à arte dos historiadores convencionais. Devo dizer, contudo, que a génese da História é sempre a versão do vencedor. Por isso, ela é tão relativa.
Não é o caso. O meu propósito é criar MOSAICOS – estórias com pessoas dentro – e, com eles, dar maior expressão ao painel de orgulho pela terra onde nasci, vivi e ainda moro: Miragaia.

Não tenho acompanhado a vida real do Centro Social de Miragaia nos últimos anos. Parece-me, contudo, que continua a ser uma instituição bem enraizada na freguesia, e a justificar um interesse enorme pelos serviços que põe à disposição dos moradores.
Volto a ele; aos princípios do Centro (período que melhor conheço) e aos passos difíceis que foram dados para que se tornasse uma realidade.

O governo da época, anterior ao 25 de Abril, era parco em recursos para acções de beneficência ou apoio social às populações mais carenciadas. Recordo que 40% dos recursos financeiros do país eram canalizados para a Guerra Colonial, onde morreram mais de 40 jovens de Miragaia e muitos mais voltaram com deformações físicas e psicológicas.
Esta mesma guerra, antes de nos matar os jovens matava a estabilidade familiar e aumentava a pobreza, também por via de menos um salário que cada soldado deixava de ganhar enquanto estivesse “ao serviço da Nação”.

Neste contexto – muito mais complexo do que este texto pode comportar -, arranjar dinheiro para a construção e desenvolvimento do Centro Social de Miragaia foi tarefa hercúlea e só possível por via da imaginação e da dedicação.
Já abordei, ligeiramente, a campanha do “OVO E GARRAFA”. A ela voltarei.

Lembrei-me da Esplanada do ZIP-ZIP que existiu, durante anos, no Largo da Alfândega.
Porquê esta esplanada e porquê este nome? Lá irei.

Já em tempo de “primavera marcelista”, aparece na televisão um programa de grande sucesso que prende aos écrans muitas portuguesas/es, de todas as classes e gerações: o ZIP-ZIP.
Como é da memória de muitos, este programa afrontou e assustou a censura do regime; pela irreverência, pela horizontalidade dos seus participantes e convidados e pela diversidade de temas que abordava e como abordava.

O célebre programa do Carlos Cruz, do Fialho Gouveia e do enorme Raul Solnado.
Às segundas-feiras, à noite, era dia santo para a RTP: o ZIP-ZIP estava no ar.

O Centro Social de Miragaia, como disse atrás, precisava de dinheiro. Achamos que a melhor forma de o conseguir era através de iniciativas que envolvessem os miragaienses. Uma esplanada, com serviço de café e cervejaria, foi a ideia que iluminou as necessidades latentes.
Lembro que, na época, as colectividades não viram com bons olhos esta concorrência: os preços eram mais baixos, o local muito aprazível e oferecia a “democracia” de todos poderem aceder a ela. Não era fácil uma “senhora” entrar, sem julgamento público, na sala de fumo e jogo das nossas colectividades; o Miragaia, o Musical, o Estrela e a FNAT.

A linha de pensamento foi bem clara: uma parte significativa da população era frequentadora diária das colectividades, onde se aliviava de alguns trocos nos “baratos”, nos copos, nos cafés e nos tacos. Era essa verba, por pequena que fosse, que o Centro queria atrair como receita sua.
O ZIP-ZIP tornou-se o local de encontro e convívio de toda a população. A fazer lembrar o dito programa de televisão, o ZIP-ZIP. O espaço era amplo e aberto, funcionava até à meia-noite (oficialmente…) e permitia o acesso a crianças e adolescentes. Toda a gente lá tinha aceitação.

Esta esplanada deixava um lucro ainda significativo para o Centro Social de Miragaia. Para isso, contava com ajudas directas e discretas, umas conhecidas e outras anónimas, de vários benfeitores ou apoiantes.
O presidente do Centro, Mário Lereno, era director da CUFP e conseguia vantagens significativas no fornecimento de cerveja; o Sr. Mendes (precocemente falecido) era dono de uma confeitaria na Rua do Vale Formoso e disponibilizava ajudas elevadas no fornecimento de bolos, queijo e fiambre, e outros ingredientes necessários à cozinha da esplanada. As louças também nos chegavam por doação. As restantes necessidades eram, também, favoravelmente negociadas.

Assim, pulso a pulso, passo a passo, numa grande corrente de pessoas que fizeram questão de ajudar, o Centro Social foi capaz de contornar os “nãos” das instituições governamentais.
Se eu quisesse juntar a este texto alguns nomes, muitos nomes, das pessoas que estão dentro desta estória, seria, com toda a certeza, profundamente injusto com muitos mais de quem me iria esquecer.

Fica a memória – um retrato de época – do que foi a epopeia do nascimento do Centro Social de Miragaia.

Fica a promessa de outras estórias, tão ao gosto dos leitores destes MOSAICOS.
 
Fernando Morgado

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