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(Este texto lê-se em 5 minutos. Vocês conseguem?)

MOSAICOS DA MINHA VIDA – 8

OS MEUS CRAQUES DA BOLA.

Isto de parecenças tem muito que se lhe diga. Há quem tenha os olhos do pai, a boca da mãe, os pezinhos iguais à tia mais nova, e as orelhas da bisavó que nunca conhecerá. Questões do ADN, dizem.
Comigo nada disso foi diferente. Tenho o meu corpo retalhado em parecenças, bem ao jeito de um mapa morfológico da minha família. Mesmo assim, acho que não sou parecido com ninguém!

Mas se podemos ver e confirmar os diferentes aspectos exteriores, já mais difícil se torna perscrutar os recônditos caminhos da alma e seus afilhados: o feitio, os gostos, o carácter, as opções e as decisões. 
Tanta lengalenga para me confessar plenamente adnizado pelo meu avô Alexandre no que concerne ao meu clube: portista empedernido. Portista um dia, portista até morrer!

O Porto é uma naçom, cara..o!
P
or esta razão, mais admiro o meu pai – boavisteiro de um só clube – por nunca ter hostilizado a minha escolha; bem pelo contrário, ensinou-me a gostar, também, do Boavista. Ainda hoje.

Sofri aquele tempo imaculado da “verdade desportiva” enquanto o FCPorto não ganhou título nenhum. Nessa altura só havia supermercados em Lisboa, e era lá que se comprava tudo e todos.
Miragaia era uma terra de gente que se conhecia – para o bem e para o mal -, e onde os benfiquistas se notavam pela diferença. Lembro-me de alguns: na família Correia Dias ninguém se aproveitava (ahahahahahah). Vocês sabem que eu sei que vocês sabem de quem eu estou a falar! Bom, passemos à frente, que o que interessa para a ementa de hoje é mesmo o Mundial de 1966, o célebre campeonato em que Portugal ficou em 3º lugar por trapacice da nossa aliada Inglaterra. Não havia islandeses nessa altura.  ;)

Em 1966 pouca gente tinha televisão em Miragaia. Sei que as colectividades eram dos poucos locais onde se podiam ver os jogos da nossa seleção. Mas tinha um senão: de borla, só os sócios e seus familiares. Não era o meu caso. Na minha família todos eram sócios do Musical, que também tinha televisão mas…era muito longe da Quinta do Loureiro. Naquele tempo, o Musical ocupava-se mais com o teatro e com a música. Naquele tempo! Devo referir também a excelente actividade teatral do Miragaia; quem não se lembra do Neca e da Toninha, por exemplo.
O Miragaia, ainda na primeira sede na Rua de S. Pedro de Miragaia, tinha televisão, mas os que não eram sócios tinham que pagar 1$00 (um escudo) para poderem assistir ao jogo. Era o meu caso.

Se vos parece ridículo este valor, devo dizer-vos que nessa altura era uma verba significativa, suficiente para comprar pão e leite, ou até meio quartilho de vinho. Por isso, dispor de um escudo para ver a seleção era já uma loucura. O meu pai fazia esse sacrifício por mim…e pelo meu irmão Zé e pelo meu irmão Raul. Ora aí está, eram três escudos.

Já nessa altura o Sr. Tavares (polícia) e a D. Felicidade, pais do Bino (que jogou no Porto), tinham televisão. Vimos alguns jogos em casa deles, e assim se minorou o dispêndio do Mundial de 1966.
Muitos se lembram dos grandes jogadores que fizeram parte dessa equipa. Que me desculpem os blá-blá-blá que só se lembram do Eusébio, do Coluna, do Simões, do Hilário, do José Augusto e outros tantos que frequentavam os supermercados de Lisboa J . Eu nunca esquecerei os três bravos jogadores que, também, estiveram em Inglaterra: o Festas, o Américo e o Custódio Pinto. O Sr. Otto Glória convocou-os só para sossegar o povo da Invicta? À excepção do Festa, utilizado num dos jogos, os outros dois não tiveram um minuto de participação. Lembro que nesse Mundial não eram permitidas substituições. Pouco me importa!

Ainda fedelho, e pela mão do meu avô, ia ao Estádio das Antas e já eu me engalfinhava pelo azul-e-branco. Quando não ia com ele, entrava agarrado ao casaco de um qualquer adulto – Ó meu senhor, ó meu senhor, deixe-me entrar consigo. Anda lá rapaz, até te levo ao colo se for preciso.

Para nós, putos da terra batida (ou pedras da rua) e da bola de trapos, ser jogador federado era razão suficiente para ser herói. Miragaia também os tinha.
Orgulhava-me com o Canário, o Zeferino, o Machado, o Monteiro, o Xico de Monchique, o Tena, o Abílio, o Carlos Santos, o Sousa, o Zé Dias, o Simões, o Correia Dias, o Carlos Alberto, o Xico guarda-redes e tantos, tantos outros.

Que me desculpem aqueles de quem me vou esquecer, mas devo mencionar os grandíssimos atletas da minha geração e a quem faltou a tal estrelinha para singrarem. Refiro, a eito, o Quim (Libório para sempre), o irmão dele o Toninho Dias, o Berto Perdigão, que já partiu, precocemente, o Rui, o Marcilio, o Tó e, claro, o Bino Tavares, jogador do FCPorto, meu amigo de infância e de escola, que acompanhei nos vários clubes por onde passou.
Hoje, estamos em pleno Europeu de 2016. Portugal ainda lá está, para falhar penaltis ou marcar golos de calcanhar, mas é tão estranho ver os convocados e encontrar um só atleta do meu clube, o Danilo.

Já não é o que era. Já não se paga 1$00 para ver os jogos-. Consomem-se muitos copos de cerveja, cachecóis e outro merchandising nas FUN ZONES espalhadas pela cidade, e dizemos que vamos ser campeões.

Para mim, os grandes campeões foram os meus ídolos de Miragaia, que me encantavam com as habilidades técnicas, com a entrega ao jogo, com a resistência e adaptação ao piso, com a leveza do pé descalço a tratar a bola com minúcia de mão e a astúcia para fugir ao polícia quando o grito aparecia:

Olh’á bófia!

Fernando Morgado.

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