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MOSAICOS DA MINHA VIDA - 2

Olhá bófia!
O sinal de alarme que sempre surgia quando a miudagem se confrontava num valente e vibrante jogo de futebol.
Havia várias equipas, sempre em confronto entre si.
Os da quinta, normalmente liderados pelo Joaquim Libório, e dos quais eu era a claque (nunca tive jeito algum para as lides da bola), e onde sobressaiam o Fernando Almeida, o Toninho Dias, o Tibúrcio, o Paulo, o Mau-Mau, o Moreira, o Alírio, o Horácio, o Fernando, o Zé Armindo (meu irmão), o Zézé, e todos os outros que desculpo à memória já gasta. Havia a equipa da Praia, com craques como o João Almeida, o Manuel Pereira e o irmão, o Rui, o Camilo, o Tena, o Matateu, o Aristides e o irmão, e tantos outros.
Outra equipa de respeito era a do parque, com vedetas como o Toninho, o Casimiro, o Meira, o Quim, o Constantino, etc. Havia as equipas da Conquistadora, de Monchique (o Jorge e o Marcílio e o resto da pandilha), do Largo da Alfândega; e jogadores dispersos pelo Padre Américo, Quinta do Espirito Santos, Tomás Gonzaga (onde moro agora), da Calçada das Sereias, da Viela da Baleia e da Rua Arménia, do Monte dos Judeus, e de todas as ilhas, vielas, pátios, escadas, becos, onde fervilhava tanta gente com tantos filhos.
As casas eram muito pequenas, não tinham grandes condições de higiene e de conforto, não havia televisão!!!!, e, por isso, a vida era feita mais fora que dentro dessas mesmas casas. Ao rondar da hora de jantar era ouvir o coro de mães que, das suas janelas, berravam pelos seus filhos para os chamar para a janta: Ó meu cara...o, não te bolto a chamar. Quando bieres bou-te f…er!
Os jogos são se mediam em tempo, mas em golos, e ainda faltavam 2, demorasse o que demorasse.
Ólhá Bófia!
Era o único grito que, de facto, merecia respeito. A canalha não fazia mal a ninguém; a bola é que, por vezes, batia no sítio errado. Era proibido jogar na rua, andar descalço, dizer palavrões. Havia tantos proibidos naquele tempo. Ora, como em Miragaia também era “proibido” viver com dignidade, ter habitação e salubridade condignas, jogar à bola era só mais uma dessas proibições. Portanto, transgredir era uma forma de vida: Não posso! Então faço!
Olhá Bófia!
Todos se sentavam, bola escondida, até que o polícia passasse. Ainda ele ia perto e já voltava a ouvir: “Passa a bola, caralho!”
Eramos tantos, eramos muitos, eramos mais que os gatos e os ratos, hoje habitantes em excesso por estas bandas.
Vivia-se mal, com imensas dificuldades e carências básicas, mas era muito maior a falta de respeito que os de fora tinham com Miragaia do que Miragaia tinha com eles – autoridades incluídas.
Ólhá Bófia!
(o meu pai era polícia mas, que eu saiba, nunca fez mal a ninguém. Era o meu bófia herói!)
Vou continuar a escrever sobre Miragaia, como sempre fiz. Para quem é de cá, encontrará neste texto algumas verdades, algumas dúvidas, algumas lacunas, alguns esquecimentos, alguns exageros, alguma ternura, algum azedume, alguma imprecisão. Aos nomes acima referidos faltam muitos mais. Faltam os adultos daquela época e as histórias que protagonizaram.
Não vou falar de prostituição, de gatunagem e de droga: nos meus tempos de menino, de adolescente, de jovem, não havia nada disso em Miragaia. Havia os contos-e-ditos, os boatos e as coscuvilhices, mas….e não havia em todo o lado?
A estes meus conterrâneos peço desculpa e desafio-os a contribuírem para esta crónica em crescimento.
Tantas estórias vos vou contar.

Fernando Morgado

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