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A mostrar mensagens de junho, 2016
        MOSAICOS DA MINHA VIDA 3 Aquela rusga e a lengalenga eram já tradição nas ruas de Miragaia. O binho é um remédio, Que aliBia e cura as mágoas… Os miúdos em fila indiana, comandados pela etílica batuta do Mário Penca, lá seguiam, talvez mais pela bolacha que o maestro lhes dava do que pelos dotes corais que possuíam, pelo Largo da Praia até ao parque. Dai fletiam para a igreja, depois para a Rua de S. Pedro de Miragaia, Largo da Quinta e terminavam onde começavam, na Rua dos Armazéns à porta da loja dos meus pais. O Mário biscatava uns serviços que lhe eram dados pelo Sr. José Artista ou pelo Sr. Álvaro Rodrigues ou pelo Manuel do Gelo, ou por outro qualquer dono das camionetas que, na época, se perfilavam perto da Alfândega à cata de transportar mercadorias importadas ou para exportação. A Alfândega era um rebuliço de gente e de trabalho. Havia as vagonetas (falarei delas mais tarde), nas quais os miúdos brincavam e se aleixavam. Mais tarde, t
MOSAICOS DA MINHA VIDA - 2 Olhá bófia! O sinal de alarme que sempre surgia quando a miudagem se confrontava num valente e vibrante jogo de futebol. Havia várias equipas, sempre em confronto entre si. Os da quinta, normalmente liderados pelo Joaquim Libório, e dos quais eu era a claque (nunca tive jeito algum para as lides da bola), e onde sobressaiam o Fernando Almeida, o Toninho Dias, o Tibúrcio, o Paulo, o Mau-Mau, o Moreira, o Alírio, o Horácio, o Fernando, o Zé Armindo (meu irmão), o Zézé, e todos os outros que desculpo à memória já gasta. Havia a equipa da Praia, com craques como o João Almeida, o Manuel Pereira e o irmão, o Rui, o Camilo, o Tena, o Matateu, o Aristides e o irmão, e tantos outros. Outra equipa de respeito era a do parque, com vedetas como o Toninho, o Casimiro, o Meira, o Quim, o Constantino, etc. Havia as equipas da Conquistadora, de Monchique (o Jorge e o Marcílio e o resto da pandilha), do Largo da Alfândega; e jogadores dispersos pelo Padre Américo,
MOSAICOS DA MINHA VIDA - MIRAGAIA   Nascer e crescer em Miragaia foi um privilégio que tive e fiz por merecer.   Era um tempo, meados dos anos 50, de grande miséria; o álcool, a violência doméstica, as cheias do Douro, o excesso de filhos (o excesso de abortos, também), os estigmas de quem nos catalogava (os mesmos que, durante as cheias, nos fotografavam), as casas subalugadas, os quartos para todos, incluindo os pais, as sanitas colectivas – banhos só mesmo no balneário do Largo do Viriato -, os couratos e torresmos para disfarçar a fome: tantos mosaicos de vida eu posso relatar sobre o “condomínio fechado” onde nasci. Sim, condomínio fechado: só cá entrava quem de cá era!   Hoje, Miragaia é uma terra de pouca gente. Muitas casas abandonadas e em ruinas, ruas desertas, onde pululavam crianças e adolescentes em brincadeiras de rua – o arco, a patela, o pião, as cordas, a bola (muda aos seis acaba aos 12), as escondidas, as malhas para os adultos), eu sei lá que mais, tanta
MOSAICOS DA MINHA VIDA - MIRAGAIA   Nascer e crescer em Miragaia foi um privilégio que tive e fiz por merecer.   Era um tempo, meados dos anos 50, de grande miséria; o álcool, a violência doméstica, as cheias do Douro, o excesso de filhos (o excesso de abortos, também), os estigmas de quem nos catalogava (os mesmos que, durante as cheias, nos fotografavam), as casas subalugadas, os quartos para todos, incluindo os pais, as sanitas colectivas – banhos só mesmo no balneário do Largo do Viriato -, os couratos e torresmos para disfarçar a fome: tantos mosaicos de vida eu posso relatar sobre o “condomínio fechado” onde nasci. Sim, condomínio fechado: só cá entrava quem de cá era!   Hoje, Miragaia é uma terra de pouca gente. Muitas casas abandonadas e em ruinas, ruas desertas, onde pululavam crianças e adolescentes em brincadeiras de rua – o arco, a patela, o pião, as cordas, a bola (muda aos seis acaba aos 12), as escondidas, as malhas para os adultos), eu sei lá que mais, tanta
CAMPEONATO NACIONAL DE ESCRITA - PEDRO CHAGAS FREITAS 1ª JORNADA Quando chegaste, olhei discretamente o teu sorriso e senti, naquele momento, que nunca mais seria um homem livre. Acho que te lembras da cadeira que te cedi para te juntares aos teus amigos, em mesa larga, na esplanada do Alex. O sol despedia-se, em reflexo quente, aceitando as preces das gaivotas em bando. Chegaste como todos os dias daquele Setembro quente: fui colecionando os teus movimentos, as tuas expressões, as tuas roupas quase não-roupas, os teus cabelos nas diferentes nuances que o sol compunha: tornei-me antropólogo de ti.     Soltei a vontade de te ver de novo, no dia seguinte ao nosso primeiro “encontro”; e no dia seguinte ao segundo, e no dia seguinte ao enésimo em que te espero. Algumas vezes, num recurso de memória, regressas a mim no olhar que cruzamos. Repetes o mesmo sorriso e eu reforço a esperança de me prender em ti. Sim, a esperança de passar de não-livre a habitante do teu olha
Farejo a vida na marcação dos meus amores, com o sentimento de caminho curto que percorri entre o delito e o prazer. Ficaram beijos e abraços por dar, e desejos por viver. Soletro, um a um, os meus pecados, não cumpridos, em catação de tantos sonhos ainda futuros, como se não houvesse o tempo a desproteger. Saboreio “la belle époque” dos encantos que construi em tons, longos e largos, de abraço e mel, no crepitar intenso dos versos que escrevi, e com eles sonhos dei e recebi. Desvisto as personagens que encarnei, deuses e demónios, em brado e desassossego, e fico com a nudez dos pecados não-culpados. Hoje, vivo os rumores que a minha cegueira antecipada. Subtraio prazos e normalidades delirantes. Não espero glória ou comendadoria: vistam-me nu. Os meus versos serão a minha eternidade: os meus amantes. Fernando Morgado
Acordo Contigo. Ainda no aconchego de um acordar tranquilo, ouço as gaivotas – tantas (são elas que me acordam) -, em ziguezagues famintos. Vejo o Sol, em boas vindas, nas encostas de Gaia, brilhando ainda mais nas placas - “FERREIRA” “GRAHAM’S” “FONSECA”… Tolda-me o teu sorriso, aquele da foto que me emprestaram. Mas o teu sorriso é meu; deito-me e acordo com ele. Levanto-me contigo. Vou até à varanda; tenho na minha frente os telhados e o rio – o passado presente e o Douro em viagem. Eu e tu, e os nossos sonhos. Neste telhado, o mais próximo, vejo a mesma gaivota de todos os dias, já lá vão várias semanas, incubando o seu filhote num desvelo extremo. Nada a distrai, nem a chuva intensa que tem caído por estes dias. A maternidade e a eternidade. Naquele telhado ali, logo a seguir a este, uma gata e o seu filho brincam felizes mas preocupados: as gaivotas já se banquetearam com dois gatinhos daquela ninhada. A sobrevivência e a transmutação da cadeia alimentar.