CAMPEONATO NACIONAL DE ESCRITA - PEDRO CHAGAS FREITAS
1ª JORNADA
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2ª JORNADA
1ª JORNADA
Quando chegaste, olhei
discretamente o teu sorriso e senti, naquele momento, que nunca mais seria um
homem livre.
Acho que te lembras da cadeira
que te cedi para te juntares aos teus amigos, em mesa larga, na esplanada do
Alex. O sol despedia-se, em reflexo quente, aceitando as preces das gaivotas em
bando.
Chegaste como todos os dias
daquele Setembro quente: fui colecionando os teus movimentos, as tuas
expressões, as tuas roupas quase não-roupas, os teus cabelos nas diferentes nuances que o sol compunha: tornei-me
antropólogo de ti.
Soltei a vontade de te ver de
novo, no dia seguinte ao nosso primeiro “encontro”; e no dia seguinte ao
segundo, e no dia seguinte ao enésimo em que te espero.
Algumas vezes, num recurso de
memória, regressas a mim no olhar que cruzamos. Repetes o mesmo sorriso e eu
reforço a esperança de me prender em ti. Sim, a esperança de passar de
não-livre a habitante do teu olhar.
Naquele Setembro, naquela vírgula
do teu encanto, nasceu em mim um novo caminho, um novo horizonte, muito para
além daquele em que o sol desaparecia.
O teu sorriso: o poder do se; a
beleza do sonho; a inquietação do impossível; a transgressão da tentativa; a
ousadia de querer.
Continuei a “suportar-te” na
companhia dos teus amigos; esses tinhosos carcereiros que não me davam paz.
Valeu-me sempre a remanência dos teus olhos, das tuas gargalhadas, da alegria,
mesmo alheia, com que te vestias.
Gosto de ti, Luísa (sempre me
pareceu bem este nome para ti); gosto mais - para além do “nosso” princípio.
Hoje, chamo-me Fernando Morgado
Oteusorriso: sou subalterno a ele, submisso da esperança de o habitar. E gosto!
Hoje, neste fim de outro
Setembro, volto ao meu prontuário choninhas para guardar novos sorrisos teus e
tantas patetices minhas.
(Os Poderes – 1)
Fernando Morgado
Claro que fica entre nós. Não me revejo no teu julgamento em
praça pública.
Agradeço-te eternamente. Preciso mesmo de alguém como tu
para mitigar este meu receio. Confrontei-me estes anos todos com esse estigma.
É uma ferida aberta, em crosta de medo.
Podes confiar, e continuar a contar comigo para desabafares.
Todos temos os nossos problemas…
Sempre que o fiz, foi em voo de rapina, ao som de uma canção
de amor. Por isso, nunca quis mais que um aluno ao mesmo tempo.
O beijo! Eu sei…também eu gosto de os roubar, sem fazer
vitimas. Nunca o fiz em confronto, menos ainda em sofrimento.
A beleza dos lábios – inocência e descuido - deixa-me sem
equilíbrio, sem probidade.
O que mais impressiona no teu desabafo é a frieza com que o
dizes; o princípio e o fim em que o beijo é o que menos conta.
Também fui cobaia. Sabes lá o que é ter a mão ainda pequena
para o prazer alheio!
E…
Sim, a mão e o corpo; as noites e os dias; a boca e o
cheiro; a ameaça e o silêncio: nem a imaginação te dará respostas.
Toda a gente te admira, sempre foste, e és, muito bonita.
Sempre interessada e disponível, nunca alguém percecionou esse teu fétiche.
Mas…confia…fica entre nós!
…
Um dia destes, vou falar contigo. Preciso de falar contigo,
sei que me ajudarás.
Também tens a memória cheia?
Não, tenho a carteira vazia!
Sabes que estarei
sempre aqui, ou do outro lado da linha, pronta para te ouvir.
O Novo Banco foi uma desgraça…
Como assim?
Falamos depois. E o amor? Nunca te apaixonaste?
Gosto de algumas cenas, não daquelas que sobrevivem muito
tempo.
Eu e a minha mulher gostamos muito de ti; gostamos de umas
cenas!
Mas…
Podes confiar em mim!
(Poderes: 2)
Fernando Morgado
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3ª JORNADA
1.
Sucumbi ao teu desprezo. Sabias da minha submissão ao teu
magnetismo, à tua capacidade de me iludires mantendo a porta semiaberta de um
quarto vazio, ausente de mim.
Desalojaste o meu amor mas mantiveste-te vestido na falsa
imagem com que caçavas beijos na minha inocência. Custou-me imenso a entender a
tua desonestidade. Sofri horrores com as tuas atitudes laminantes: esperavas sempre que eu passasse enquanto te rias –
gargalhadas corrosivas – com o teu amigo dos fins de tarde.
Continuei a estar contigo em sonhos sebastiânicos, tal foi a
esperança que, durante anos, me deste. Os teus olhos – tantos poemas lhes fiz e
faço; o resplendor dourado refletido pelos teus longos cabelos; a doçura da tua
voz – as promessas que lhe ouvi: eras a minha deusa! És!
Deixaste que te amasse até ao desespero da paixão. Dei-te a
minha “primeira vez”: lembras-te da trapalhada de emoções e frustrações que
esse momento me deu? Lembras-te, claro! Também te lembras da sobranceria que
daí te adveio.
Sempre soubeste que o teu desprezo era semente de loucura.
Um dia, disseste-me que não gostavas de loucos. Soube, então, que a paixão não
mora na lucidez; mas a paixão é subversiva, podes ter a certeza. O medo de te
perder aprisionou algumas tramas.
2.
Não te imaginava em Miragaia. Vi-te ontem na televisão,
andrajosamente vestida, com uma criança ao colo; estavas a tentar salvar as
tuas coisas após mais uma “cheia” do rio Douro.
Recuperei a memória da tua beleza. Abriu-se o pensamento.
3.
Hoje, estou aqui, costas voltadas à igreja, à cata de te ver
passar, como fiz (imensas vezes) à porta da faculdade.
…
Olhamo-nos, em resgate de tudo, e em sublimação das nossas
sobrevivências. Tememos um abraço, mas não resistimos.
…
Queres casar comigo?
Nunca me casei!
…
Fomos loucos!
(Poderes-3)
Fernando Morgado
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4ª JORNADA
Fica!
Carlos nem olhou para trás. Aquele grito de desespero, e
arrependimento, alojou-se-lhe no pensamento como ferrete de uma vida. Era já
tarde para ambos; a vida trocara-lhes as voltas.
As pernas trementes, disfarçadas no andar apressado, e a
cabeça em triângulo de confusão: a coragem, finalmente; a liberdade vazia, sem
esquisso; o receio do caminho desconhecido – Carlos sentia-se sem paraquedas e
sem hesitação.
Fica!
Isabel não cabia na sua aflição, aturdida pela espoleta do
sempre submisso marido, que lhe servia para tudo, até como tapete para a sua maleitosa
personalidade. Valia-lhe a fobia do Carlos – Litos, como lhe chamava -, temente
à voz do povo, mas surdo aos boatos que lhe chegavam. A sua vida só fazia
sentido com a Isabel. Conheceram-se na Universidade, já depois de se conhecerem
desde a infância. Julgaram-se gêmeos de alma e coração. Disseram sim; a vida
disse-lhes não!
Divórcio…não! Ninguém se há-de
rir de mim. Têm inveja da mulher que eu tenho…só dizem mal dela para me verem infeliz. Não,
não foi essa a educação que recebi. Na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença.
Carlos sempre se manifestou contrário ao divórcio como
fórmula mágica para as ninharias de gente sem moral – os dogmas que o formaram.
Rasgou a sua vida pelo picotado frágil que o segurava.
Fica!
Finalmente venceu o preconceito. Uma mala pequena e um
bilhete da Ryanair para Barcelona; por lá passaria os próximos dias, na
ausência de todos e de tudo – até o telemóvel estava calado.
Ambos sabiam, agora, que a submissão e a subjugação não
foram os melhores caminhos que percorreram – separados.
Os filhos, que não tiveram, foram sempre adiados a favor da
carreira, da beleza, do não compromisso; existissem eles, neste momento, e
Carlos teria, certamente, regressado ao apelo atordoado daquele grito:
Fica!
(Poderes – 4)
Fernando Morgado
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5ª JORNADA
“O destino, isso a que damos o nome de destino, como todas
as coisas deste mundo, não conhece a linha recta.”
Acordou, não dormido, com o corpo a doer e a cabeça em
desespero. Estava de partida para uma viagem de dor, até Ancião. A morte da
Zinha precipitou o seu regresso à aldeia. Má fortuna, a sua irmã mais velha,
que nunca abandonou a sua terra e o seu gado, resistiu à morte do marido, à
saudade dos filhos, mas não venceu a tosse reles que lhe disseram ser
pneumonia.
Diamantino soube da notícia já ao fim do dia. Não cuidou de
mais nada senão de conseguir uma viagem urgente, por qualquer meio, que o
trouxesse para o último beijo no rosto bonito da sua única irmã. Zinha fez de
mãe quando todos eles, quatro irmãos ao todo, ficaram órfãos de Matilde, também
ela viúva desde os 40 anos.
Por respeito à sua dor, a menina da agência conseguiu-lhe
uma vaga no primeiro voo do dia seguinte, às 8h40 rumo ao Porto. Aí, teria o
sobrinho à sua espera para o levar até Ancião.
Diamantino não continha a angústia pela má sorte que a vida
lhe tinha oferecido. Sofreu as mortes de família que menos esperava, até a sua
mulher com cancro de mama e um filho encarcerado nos destroços de um Audi, mas
a da irmã não o apanhou com a melhor resistência. Zinha, a quem prometera
voltar para a terra e retribuir-lhe toda a ajuda que precisasse, escondeu-lhe a
doença e o medo - partiu em silêncio de amor e de mimos.
É injusto! Repetia mais uma vez.
7h35: Diamantino posiciona-se na fila do check-in. Era maior a ansiedade que a
bagagem.
Cábuuummm! Pum! Cábuuuummm! Pum! Pum!
Aeroporto Francisco Sá Carneiro: Rogério, entre o delírio e
confusão, não conseguiu entender aquele aviso:
“Atentado terrorista no Aeroporto de Zaventem, em Bruxelas:
um português entre as vítimas mortais”
(Poderes: 5)
Fernando Morgado
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6ª JORNADA
Foi a altura certa para refazer a sua vida, até ali
miserável e sem sonhos.
Débora era uma mulher fogosa e bonita.
Tantos passos tortos na vida. Seria mais um: tentar o Dr.
Okuolama. Instalado numa rua do Porto, Okuolama atraia gente tolhida de tudo, e
até simples viciadas na crendice. Aos problemas que traziam, o médium acrescentava
mais alguns; ouro, velas, orações, dinheiro, tudo era preciso para resultados
mais rápidos.
Com Débora foi diferente: os olhos, os lábios, aquele sinal
no queixo, os cabelos louro bebé, eram janelas abertas para outras aparências.
A mulher estava tão ansiosa e expectante que nem deu conta da despesa a que o
doutor a obrigou.
- Quer trabalhar comigo? Preciso de si como prova para
atrair mais negócio.
- …
É a altura certa… (pensou).
Tal como desconfiava, o doutor era um refinado charlatão - tinha
sempre umas papalvas a disputarem uma vaga na agenda.
Okuolama, mestiço de boa compleição física e uma voz doce,
tinha atributos suficientes para anular qualquer desafeto na crença.
Débora depressa percebeu como fazer pela vida.
- Menina estou muito aflita. Preciso que o doutor me atenda
com muita urgência.
- Pois não! Ora… (folheando matreiramente a agenda) …menina,
só a 6 de Junho.
- Ai a minha desgraça. A minha filhinha está a morrer:
acuda-me nesta aflição!
- Só um momento. Vou ver o que diz o doutor.
- Ai meu Deus, acuda-me…ai meu Deus! Menina, até lhe pago o
dobro, se conseguir.
Débora, sem consultar o doutor, volta para lhe comunicar a
decisão:
- Está com sorte! O doutor vê a sua filha daqui a duas
horas.
- Que Deus, nosso Senhor, a abençoe.
Okuolama lia calmamente o jornal enquanto não aparecia
qualquer cliente.
- Doutor, temos uma marcação para daqui a duas horas!
(Poderes: 6)
Fernando Morgado
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7ª JORNADA
O meu mundo aqui - tudo me
recorda tudo. Até a minha infância, naquilo que me lembro dela, está plasmada
nos meus olhos – eles brincam no meu sorriso.
Como vai longe o tempo da
obsessiva carreira profissional, do eu egocêntrico que só via linhas de corpo e
traços de rosto, numa alma desalinhada.
Nunca vos direi que não vos
queria. Nunca vos direi que me desesperei na confirmação da vossa concepção.
A pindérica da vizinha do 4º
direito, sem corpo onde coubesse outro corpo, sem mamas que jorrassem prazer,
sem coxas que abraçassem como deve ser, fazia furor nas passerelles de Cascais
e Albufeira, nos flashes da
ModaLisboa, nos holofotes masculinos que a devoravam em tudo o que era
publicidade.
Eu queria ser como ela, como deve
ser, como tinha que ser: quem era ela à minha beira? Muito mais bonita que ela!
O João deu-me a volta: passeou-me
nos claustros da promessa – um dia…
Tantos dias, tantas noites,
tantas verdades em negativo. Sobrou o Miguel, já rapazinho, quando o João
trocou a minha cama pela enxerga do Filipe.
A minha passerelle mudou de cor;
bordei-a com as dificuldades que foram crescendo. Mas a vida…a sorte tinha que
mudar!
Dei acoito ao Carlos com quem me
cruzei nos corredores das lamentações. Desatendemos as normas que nos ditamos.
O Fernando nasceu no meu dia de
aniversário, já o Carlos estava no Catar a montar e desmontar andaimes.
Alegrei-me com a sua partida. Nesse dia, enterrei o algoz escondido nele – e
ele!
Das tareias desumanas com que me
confrangeu, libertei-me quando a sua cara cedeu ao cu de garrafa com que lhe acertei.
Nunca vos direi isto, príncipes
do meu oásis. Hoje só tenho holofotes para vocês.
Falta-me vida para ter mais vida
vossa.
São lindos os meus meninos. São
meus!
(Poderes: 7)
Fernando Morgado
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8ª JORNADA
Não era homem para grandes entusiasmos ou dissertações sobre
a sua condição, os seus sonhos; incapaz, até, de manifestar uma emoção ou um
sentimento, com resguardo das interpretações que os “outros” pudessem fazer: a
seriedade era uma imagem que cultivava até ao exaspero da intolerância.
Não, também não era pessoa para muitos sins – quase nenhuns.
Não era fácil descobri-lo no seu passado, percebê-lo no
presente ou adivinhá-lo no futuro próximo do amanhã em véspera. Não era fácil;
não era um homem fácil!
NÃO – era o limite da sua flexibilidade: talvez por isso ele
tenha criado a barreira da concordância, tantas vezes necessária, até mesmo
fundamental, para a decisão de pequenas insignificâncias, ou grandes
significâncias, como: a aceitação de coisas novas; a construção de novos
caminhos; a autorização de coisas básicas como o namoro da filha, a troca de
cortinas, o restaurante aonde ir – “ninharias” que podiam complicar-se na
rudeza do seu não.
Não!
- Não vais sair com esse vestido; sabes bem como eu o
detesto!
- Não te quero ver mais com aquele guedelho das trancinhas,
dos piercings, e aquela nojice toda; não consegues ver que ele é um vagabundo.
- Não me apetece ir ao cinema, menos ainda ver esse filme;
vão vocês que tanto gostam do Nicolas Sparks.
Não!
Não: era a palavra que mais o fortalecia em relação a todos
– mulher e filha incluídas -, e que lhe dava um prazer estranho e um poder
secreto de, assim, decidir o que quer que fosse.
“Não aguento mais isto; estou cansada de ti” - dizia a
mulher, amiudadas vezes, sem consistência na intenção ou consequência na ação.
- Não voltas a repetir isso!
Não: era, então (também), a palavra-chave que a mulher
usava, por antecipação, quando lhe perguntava: não queres um abraço? Não
respondia.
(Poderes: 8)
Fernando Morgado
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9ª JORNADA
Havia
um sobreiro enorme, centenário talvez, no monte dos meus avós, em Monsaraz.
Tantas
vezes lá estiveste comigo, em tardes de muito sol e noites de muito calor.
Lembras-te disso, claro!
Não
fosse a aragem da lezíria, e incendiaríamos as forragens que se resguardavam na
frondosa ramagem do carvalho velho.
Tantas
brincadeiras fizemos – asneiras, como julgava a minha avó -, tantos sussurros
segredamos – malcriadezes, como nos julgavam os dois -, mas afrontamos a
lezíria que se estendia nos nossos olhos, e os medos das más maneiras.
Dias
felizes, dias sem noite. Sem me dares razões, foste embora, à boleia de outro
amor, como se o meu já não soubesse como te enfeitiçar.
Longos
anos; tantas horas gastas na quimera do teu regresso – sem sucesso, sem
desistência.
Hoje, na excitação do teu retorno, na agitação
das minhas memórias, renasce a loucura de todos os momentos sem ti: amo-te como
nunca, mais do que o sobreiro ouviu e menos que a seguir ao abraço com que
sonho e desejo.
Um
dia destes, à sombra do sobreiro que agora é meu, farei novas juras e bordarei
mais afetos.
Dá-me
um sinal; devolve-me a inocência de acreditar que ainda me queres, e segue o
desassossego dos meus sentidos, desassossegando-os mais.
Há um
sobreiro enorme no monte que agora é nosso, mesmo que me castigues em não o
querer.
Há
uma sombra na lezíria que quero habitar contigo, sorvendo o silêncio dos nossos
gritos no feno maduro que alimentará as nossas almas.
Fernanda,
meu amor grande, meu amor eterno, não leias – só - este bilhete. Faz dele um
avião: numa asa o sim, na outra o não – dá-me um sinal!
Farei
do sobreiro o nosso altar, e nele celebraremos o nosso amor.
(Poderes:
9)
Fernando
Morgado
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10ª JORNADA
Olá Daniel.
Esta primeira linha está mais curta; limpei-a de “meu amor”…
“meu querido”. Está mais justa àquilo que mereces. Poderei, ainda, ajustá-la
mais,
OLÁ.
Há um tempo velho a renascer; o tempo em que não te tinha,
não te sonhava, não te esperava. Um tempo menino, na transparência da minha
alma límpida. Há uma mulher a menos no teu fétiche bígamo.
Foi fácil; se não sabes, eu digo-te!
Celebro a felicidade da desistência - não insistência -, ao
conseguir estar sem ti no meu pensamento, na minha esperança, no meu caminho.
Despi-me de ti, da soberba de me enfeitar em ilusões e
promessas. Hoje, nua de tudo, sou uma mulher toda. Capaz de descobrir novos
caminhos no caminho da minha vida.
Limpei o meu horizonte, e limpei-me. O tempo grande da
esperança é, hoje, um campo em pousio, mas fértil. Nele semearei flores mais
belas, novos aromas, ainda que só eu renasça nele. Prefiro-me à certeza néscia
de te preferir.
Não me acreditas? Acredito; o teu género de cegueira é uma
raríssima. Morre-se disso, sem cura. Sou a sobrevivência do contágio a que me
condenavas. Estou viva e inteira no teu velório.
“Diz-me se…”, “espero que…”, espero-te…”; pois, não leste
ainda um qualquer destes meus apelos habituais. Não te dou a deixa para os
estafados “acredita que…”, “tu és a única…” ou “um dia…”.
Disse-te um dia que te amararia até ao último dia. Fui tão
verdadeira como sou hoje. Fui tão sozinha como sou hoje nesse adjectivo. Mudei
o pronome na conjugação; agora, eu ME amarei para além de mim, por sobre os
escombros dos quais me resgatei.
Não, não me arrependo do ontem; mas também não vacilo no
agora.
Por fim, guarda, na prateleira dos teus gozos, a minha
ausência, o meu vazio.
Vou.
Adeus.
(Poderes: 10)
Fernando Morgado
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FIM
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