Olá Miguel.
Eramos ainda pequeninos, eu nos meus inocentes 10 anos e tu
acabado de nascer, quando nos conhecemos.
O meu orgulho em poder ajudar os meus pais com os 180$00 que
todos os meses lhes levava, era igual ao orgulho do teu pai em ti. Eras um
menino lindíssimo: cada peça de roupa que usavas era mais cara que o meu
ordenado. Envaidecia-me com as roupas que já tinham agasalhado os meus irmãos –
a minha mãe dizia que eu era muito bonito: como tu!
Crescemos tanto, Miguel: tu, nos estudos; eu, no trabalho.
Vi-te no cortejo da Queima e até me emocionei: temos Doutor,
patrão! O teu pai não segurava a emoção de ter um filho tão inteligente!
Viste-me passar de grumete a 1º escriturário, e hoje, em fim
de caminho, sou excedentário: a nobreza da nomenclatura.
A ti, que nunca deste proveito ao “canudo”, vi-te nas ondas
e nos ralis; nos odres e nos casamentos desfeitos: hoje, e ainda, és o meu
patrão!
Que saudade do teu pai! A vida já não é o que era:
sacrifícios para mim e excessos para ti.
Nem tu me visitaste no hospital quando fui operado, nem eu
vi o teu Porsche que tão levianamente compraste e logo o estouraste. Também
foste para o hospital…privado. O meu internamento não me deixou ir visitar-te.
Hoje, Miguel, sei que passas por muitas dificuldades: não me
pagas o ordenado há meses; tens os fornecedores e o fisco à perna e uma vida em
retalhos.
Hoje, Miguel, estou bem: tenho as minhas poupanças; uma vida
ainda acesa para alguns sonhos e um menino muito bonito para mimar – o meu
neto! Tão bonito como eramos nós.
Vou-me embora, Miguel. Procura viver em paz.
Eu, embora reformado, tenho a felicidade à minha espera.
Boa sorte, Miguel.
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