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A camisa bordeaux e a gravata amarela; os sapatos que levei ao casamento do Miguel; o fato é o único que tenho e que me levará para Agramonte. Olho mais uma vez o espelho – gosto de me ver Fred Áster -, e saio para a rua. Desço a rua do Souto, atravesso Mouzinho da Silveira e vou a caminho da feira dos pássaros. Mas…
É a catarina que vejo, todos os domingos, à porta da Adega do Olho, na rua mais pequena do mundo.

Era uma mulher de garra, mas de muita ternura. Gostava de sentir o seu sorriso, servido em rosto lavrado pela beleza; sentir o cheiro a anis e vermout que a aquecia nas manhãs molhadas de Inverno duro.

Catarina era mulher de “asneiras”; empatia brejeira, palavrão desbragado.
“Faz-me sentir mulher!”, estas palavras, deixadas por ela no meu desassossego, são a mola de muitas memórias. Nunca soube o que a fiz sentir, mas sempre gostei de sentir a sua loucura – non stop -, de sentir a sua pele diabolizada pelos nossos suores, de sentir a juventude do seu ventre em toureio de corpos.
É a Catarina que beijo na repetição dos meus sonhos: gosto de sentir os seus lábios carnudos e bêbedos. É a Catarina que abraço nos meus inquietos suspiros: gosto de sentir o desejo crescer entre nós.

Hoje, sobra o José Borges. Não larga a ombreira da tasca, todos os domingos, sem sentir a chuva ou o sol, até que o ocaso etílico o retorne à sua enxerga. O Zé é, ainda, o eterno amante da Catarina. Nunca a questionou, para a ter, mesmo sabendo das suas asneiras e dos seus amores.
É nele que eu a recordo.

A Catarina morreu. É duro sentir a falta da Caty.

O meu amor não morreu.

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