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MOSAICOS DA MINHA VIDA - MIRAGAIA

 Nascer e crescer em Miragaia foi um privilégio que tive e fiz por merecer.

 Era um tempo, meados dos anos 50, de grande miséria; o álcool, a violência doméstica, as cheias do Douro, o excesso de filhos (o excesso de abortos, também), os estigmas de quem nos catalogava (os mesmos que, durante as cheias, nos fotografavam), as casas subalugadas, os quartos para todos, incluindo os pais, as sanitas colectivas – banhos só mesmo no balneário do Largo do Viriato -, os couratos e torresmos para disfarçar a fome: tantos mosaicos de vida eu posso relatar sobre o “condomínio fechado” onde nasci. Sim, condomínio fechado: só cá entrava quem de cá era!

 Hoje, Miragaia é uma terra de pouca gente. Muitas casas abandonadas e em ruinas, ruas desertas, onde pululavam crianças e adolescentes em brincadeiras de rua – o arco, a patela, o pião, as cordas, a bola (muda aos seis acaba aos 12), as escondidas, as malhas para os adultos), eu sei lá que mais, tanta alegria -, as vareiras e o amolador, o azeiteiro (não, não é esse) e o Carlinhos da Sé, a rede (coitados dos animais) e o polícia…

A minha Miragaia era isto tudo e tudo recordo com o prazer de uma meninice, adolescência e juventude de que me orgulho e me fizeram a pessoa que sou hoje.

 Resgato à memória figuras típicas da minha gente (algumas já desaparecidas: a Rosinha carvoeira, o Aurélio, o Bolinhas e a sua Tira-a-bicha, a senhora Cassilda, o Canário (grande jogador), a Romona, o homem das bicicletas, a Bernarda peixeira, o Augusto sapateiro, a Maria do 120, o senhor Perdigão, o ió-ió, o Gustinho, tantos, tantos, que a memória não é rápida e alguns virão a seguir.

 Recupero, para a memória de quem me lê, aqueles que me deixaram algum ADN – a minha família:

- O Maximiano e a Noémia, meus queridos pais, da Quinta do Loureiro, na Rua dos Armazéns;

 - O Raul, o Zé e a Silvina, meus irmãos;

- O Sr. Alexandre sapateiro e a Alicinha, meus avós, da Rua de Miragaia;

- A Alexandrina e o Zé da Garagem, meus tios, da Rua de Miragaia;

- O Ulisses, a Maria, a Alice, o Alfredo, o Manuel, a Graça, a Lina, meus primos, da Rua de Miragaia;

 - O Joaquim Ventura e a Silvina, meus tios, da Rua de Miragaia;

 - O Bernardino, mulher e filhas, tios e primas, da Rua do Cidral de Cima.

 Os amigos foram muitos, muitos mais do que agora – a erosão deixa marcas -, mas tantos ainda se mantêm, e muitos ainda cá vivem.

 Tantos mosaicos da minha vida; tantas estórias para contar. Prometo fazê-lo, com o enfase que a paixão me dá.

 Vou-vos contar estórias de vinho e malandragem, de futebol e namoricos, de aflição e desenrasque, das vagonetas e das gunas nos elétricos, dos camiões TIR e dos selos fiscais, de bulhas e de solidariedade, de prisões e liberdades, de morte e sobrevivência; vou-vos contar estórias de vida!

 Atrevo-me a um desafio:

 Peço aos meus amigos, aqui presentes no FB, e a outras pessoas de Miragaia, que se queiram juntar a esta aventura - CONTAR MIRAGAIA -, que me façam chegar recordações, pequenas lembranças, estórias suas ou que conheçam, pessoas e momentos que os marcaram e cenas que os marcaram.

 Miragaia merece, e nós fomos e somos actores desta terra.

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