Avançar para o conteúdo principal

Acordo Contigo.

Ainda no aconchego de um acordar tranquilo, ouço as gaivotas – tantas (são elas que me acordam) -, em ziguezagues famintos.

Vejo o Sol, em boas vindas, nas encostas de Gaia, brilhando ainda mais nas placas - “FERREIRA” “GRAHAM’S” “FONSECA”…

Tolda-me o teu sorriso, aquele da foto que me emprestaram. Mas o teu sorriso é meu; deito-me e acordo com ele.

Levanto-me contigo.

Vou até à varanda; tenho na minha frente os telhados e o rio – o passado presente e o Douro em viagem. Eu e tu, e os nossos sonhos.

Neste telhado, o mais próximo, vejo a mesma gaivota de todos os dias, já lá vão várias semanas, incubando o seu filhote num desvelo extremo. Nada a distrai, nem a chuva intensa que tem caído por estes dias. A maternidade e a eternidade.

Naquele telhado ali, logo a seguir a este, uma gata e o seu filho brincam felizes mas preocupados: as gaivotas já se banquetearam com dois gatinhos daquela ninhada. A sobrevivência e a transmutação da cadeia alimentar. As gaivotas já não são o que eram.

Passeio contigo.

Estendo o olhar da Ribeira até à Foz. Deixo-me ir no remanso dos patos-reais que navegam na corrente. Os barcos, prenhes de turistas, cumprem o vai-e-vem das pontes e deixam o rasto a combustível queimado por motores barulhentos. Enfim…a cidade cresce!

Um veleiro bonito sobe o rio para aportar na Ribeira. Traz alegria com ele, tal a algazarra dos seus tripulantes em ansias de se perderem nas vielas e pátios, nas caves e nas francesinhas, sem encontrarem tradução para o carago do murcom. Afinal, o que é que “vai no Batalha”?

A Ponte D. Luís (que se lixe não ser assim o seu nome; para mim nunca será Ponte Luiz I) a lembrar-me onde estás. A ponte que une, a ponte que me leva à tua procura: um dia destes, cruzamo-nos).

Brinco contigo.

“Vejo-te” no Palácio ou no Passeio Alegre, e aproveito a tua inocência e liberdade para te fotografar a correr atrás das pombas e a brincares com a bola que eu te atiro.

Não estás, ainda, prisioneiro dos megas, dos bites, dos clik’s, dos frag’s, dos plays e dos players. És Cerelac e papas de fruta, fralda e biberão, e pouco mais. Na voracidade do tempo, tu vais à procura dele e ele vem ao teu encontro. É rápido, não tenhas pressa.

Espero contigo.

Sim, espero que esperes por mim para nos termos. Espero por ti para esperar contigo pelo futuro possível, e que será o teu passado.

Volto à quietude da casa onde te guardo numa fotografia emprestada, e sinto a grandeza do amor. Um dia, encostado no meu peito, sentirás a caixinha tic-tac onde te guardo para seres a minha eternidade.

Vou trabalhar. Até já, João Duarte.

Fernando Morgado
 
 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

MOSAICOS DA MINHA VIDA – 5 No Porto, quando alguém diz que nasceu ou mora na Rua dos Armazéns, nº 55 casa 26, está a falar de uma “ilha”…e o Porto tem tantas destas ilhas, ainda. Ora, esta morada, acima referida, é exactamente o sítio onde nasci e cresci – na Quinta do Loureiro. Em Miragaia, claro. Pouca gente desta freguesia não saberá onde fica a ilha da Quinta do Loureiro. O que nem tantos saberão é a origem deste nome – Loureiro. Ao longo dos anos, e em pesquisas que faço para as minhas escritas, tenho encontrado as mais diversas versões para este nome, mas a única a que dou credibilidade é à que nasce no Jardineiro-Mor José Marques Loureiro, o “jardineiro das Virtudes” como vulgarmente era conhecido. Este homem, com fama já granjeada na Beira-Alta, veio para o Porto a convite da Câmara da cidade, e deram-lhe a incumbência de criar novos jardins na urbe, melhorar os existentes e fornecer a Câmara e a Corte com as suas belas flores e plantas. Para esse fim, con
Poema que um pai escreveu e enviou para um filho que não vê há 30 anos.     A Ana, a mais simpática de todas, diz-me que ainda é tempo para nos voltarmos a ver. Lembro-me da tua partida. Deixaste tudo por uma paixão. Querias viver. Outras paixões deixaste, ainda mais intensas pela tua ausência. Aquela despedida! Aquela despedida doeu muito! A juventude não te deu amarras, nada te prendeu. pensaste em ti. Agora, assim a rapariga tenha razão, vais encontrar-me igual – preso em ti. Descansa, estou institucionalizado - à tua espera há já longos anos. A tua mãe levou com ela as orações que te imploravam. Fiquei só...com esperança. Os teus irmãos, que tanto te amavam, foram ao encontro dela. Fiquei só...contigo. Quero partir. Não fosses tu e a esperança de ti, não ouviria mais a rapariga acalmar-me com loas de que te conhece e sabe que me vens ver. Trás aquela blusa de linho que te dei quando fizeste trinta anos.