O cheiro a vida acabada – sangue e óleo queimado em mistura
metálica – devolve-me a sobrevivência mas não a cor, numa visão em preto
infinito – a incapacidade sobrante. Porquê?
A escuridão medonha que me circunda, este silêncio, as
minhas pernas já mortas…milagre!
Tem fé,
a vida continua em ti, a esperança vai dar-te futuro. Confia em mim!
Não acredito no que estás para aí a dizer.
Então…e
o milagre? Porque o referes? Milagre mesmo é acreditares!
Sei que estou vivo, não preciso que me lembres. Não acredito
nas tuas bazófias. Aliás, onde estás? Não te vejo. Claro, não vejo nada. Não te
sinto. Queres explorar o meu sofrimento?
Consegues ver-te, vê-me! Estou em ti, mais que contigo. Eu sou a tua fé,
a tua fé em ti.
Estou em delírio. Não sei como está a minha cabeça, talvez
desfeita, sem nexo. Preciso que me ajudem. Socorro! Socorro! Possa! Ninguém me
ouve. Tirem-me daqui!
Estou
em ti. Sou a tua melhor ajuda. Só tu – com fé – te podes salvar. Vamos ter que
continuar a vida: a tua nova vida – sempre comigo!
Não passas duma invenção. Se podes, salva-me!
Que
interessa a ciência se não quiseres sobreviver? És tu, somos nós, a acreditar
neste milagre!
És ilusão: uma mentira, uma demência dos infelizes que em ti
acreditam.
Julgas
que estás a falar comigo? Não! Estás a falar para ti, para a fé que tens e que
nunca te abandona; estás a pedir-te forças para te salvares. Por isso estou
aqui, contigo.
Achas que és deus, a aberração do mundo? Devolve-me a visão
para eu te ver!
Enquanto não te vires, serás cego eternamente. Olha para ti, vê-te!
Ouço a vozearia dos homens em aflição. Querem tirar-me
daqui. Vou morrer!
- Não, tenha calma. Deus há-de ajudá-lo!
Vamos conseguir!
Tenho fé, claro que sim!
Fernando Morgado
Blog: autor-fernandomorgado.blogspot.pt
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