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A mentira e o prazer.



 

“Desculpe, sujei-a?”


Aquele café entornado podia ser aziago para o coquetismo que o Mesquita derretia com aquela mulher - já sua: assoberbava-lhe o pensamento; manipulava-o, insóniava-o, trocava-lhe o fetiche por horários.

Não era verão ainda, mas na esplanada da Império os calores já inquietavam.

A roupa, os óculos, o perfume - até a barba -, escolhia o que pensava que a ela mais agradava.

A Francisca, finura fêmea a escolher e a decidir, usava decote e saia - cores e cheiros, maquilhagem e cabelo -, para o provocar, sabidamente.

Lascivos pensamentos: desenhava-a em colchão de água, desejava-a em ténues sombras - silenciosos gritos.

Francisca já ia adiantada: sentia o creme de pêssego que trazia há dias na sua carteira - pelo sim, pelo não-, e as viciantes bolinhas tailandesas que escondia noutro lugar - nunca estava no primeiro.

- Porque não?

- Ontem já foi véspera!

Noite agradável: desencontraram-se propositadamente. Quando ele abriu a porta do 102 no Motel Good4two, já ela se mostrava numa meia-luz que a cortina e o néon intermitente provocavam no seu perfil.

Termia, louco, entre o desejo e a sedução: momento único - decisivo.

Fechada a torneira, já ela lhe apontava outros caminhos, outras loucuras.

Estavam malucos, perdidamente malucos - aditados em aventura e prazer.

A transgressão a puxá-los para o limite – tão envolvidos e presos ao desejo. Ambos casados, disseram-no ao terceiro “crazy day”, ambos infratores nos fervores de se quererem. Que se lixe o respeito: haveriam de pensar nisso - depois.

O Mosca e a Kika perdidos em loucos caminhos.

Faltavam dias ao mês, ou horas ao dia, para se presentearem em prazer, para se partilharem na pele, como se a pele, e as mãos e as bocas, se confundissem nos sabores: como se as peles e as bocas e as mãos se fundissem em gemidos e provocações, em orgásmicos sucos e palavrões.

Sábado era impossível encontrarem-se: ele num programa fantástico com os ex-colegas de faculdade; ela em Coimbra com o marido, para uma consulta.

Que chatice. Segunda-feira (d)enlouqueceriam as saudades, as exaltações, num “Logo? Sim.”

O Vitor, primo da Kika, casava naquele sábado. Ela, testemunha do acto, sempre bem perto do Bekas, versão noivo.

Muitos dos ex-colegas de Medicina estavam presentes.. O Mesquita principalmente, pela amizade que, desde há muito, o unia ao Bekas.

Sorriram num piscar de olho. A Paixão, e o Amor, escondidos em silêncios e mentiras. Só assim habitavam a loucura.

O marido afoito nas fotografias, guardava a mulher e aquele desconhecido no mesmo painel - ironia!

A ironia de tantas mentiras viagrantes.

Também há vida na "largueza" de uma lámina!



Fernando Morgado

Comentários

  1. Mentiras, traições, silêncios, ... uma trama que me leva a fazer comentários em duplicado :)

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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